segunda-feira, 13 de abril de 2009

O problema de trabalhar com logística

Outro dia fui comprar fraldas para o meu pequeno e me deparei com um dilema. Ele está com quase dois meses e as fraldas de recém-nascido já estão ficando apertadas. Ao mesmo tempo, as de tamanho P são muito grandes. Como não existem farmácias ou supermercados muito próximos à minha casa, teria que garantir um mínimo de fraldas para não passarmos aperto no meio da noite. Quando se trata do próprio filho como cliente, o nível de serviço é uma variável absurdamente importante. Também o custo de transporte ficaria muito alto se eu tivesse que tirar o carro a cada pacote. Ao mesmo tempo, como a crise está aí e meu sangue árabe fala alto, não queria comprar fraldas demais, para evitar não somente o sobrestoque, mas também a obsolescência, ainda mais custosa. Fiquei horas pensando no equilíbrio entre custos de transporte, custos de estoque e nível de serviço, quando me dei conta de que meu filho não está nem aí para tudo isso. O que ele quer é o bumbum limpinho e que o pai dê mais atenção ao choro dele ao invés de ficar delirando. Troquei a fralda dele e fomos curtir o Domingo de Páscoa.

domingo, 12 de abril de 2009

Frankenstein

Estava passando pela mesa de um colega de trabalho e uma cena me chamou a atenção. Ele estava ao telefone, discutindo alguma coisa relacionada ao projeto no qual trabalhava e em cima de sua mesa deitava tranquilo um Palm Top, daqueles modelos com capinha integrada. Até aí tudo bem, não fosse o fato de que colado na capa do Palm havia um Post-it lembrando-o de ligar para alguém. O Palm, um dos aparelhinhos mais bacanas e práticos já inventados, estava servindo de mero apoio ao pequeno pedaço de papel amarelo com cola embutida, genialmente idealizado pela 3M.

É claro que eu não tenho nada com isso. Afinal, que atire a primeira pedra quem nunca apelou para o Post-it, mesmo com todos os recursos de informática que nos estão disponíveis atualmente. Inventaram até um post-it digital para os aficionados não passarem por inimigos do 5S. Não quero encrenca com a 3M nem com meu colega. Resolvi utilizar esta imagem apenas para ilustrar um caso comum na vida de todos nós, logísticos. Estou falando da abundância de ferramentas tecnológicas à nossa disposição, quase sempre mal utilizadas e às vezes até ignoradas. Mas por que isso ocorre?

O que tenho visto com o tempo é que na grande maioria dos casos as ferramentas tecnológicas são implementadas sobre o caos. São Frankensteins de software e hardware, que vão sendo costurados para se resolver problemas específicos, pontuais. Acredita-se que estas ferramentas vão substituir a inteligência de processos, que é onde está o valor das empresas. Se o seu processo é mal desenhado e não tem um produto bem definido, que atenda às expectativas do seu cliente, o máximo que você vai conseguir com um bom sistema é acelerar a ruína. É claro que existem sistemas tão poderosos e rígidos que acabam exigindo que a empresa organize seus processos para implementá-los. Só que organizar processos para atender às necessidades de configuração de um software não é exatamente o que chamamos de se criar vantagem competitiva. Há nestes casos uma grande chance de que, com o tempo, novos Frankensteins comecem a surgir, pois não se entendeu a priori onde o valor está sendo criado.

A esta altura meu leitor deve estar imaginando que sou avesso à tecnologia. Pelo contrário. Sou tão fanático por tecnologia que fico triste ao vê-la mal utilizada. Só para exemplificar o que estou tentando dizer, vou contar um pequeno caso. Semanas atrás eu estava mapeando um processo de exportação de materiais com uma equipe de logística e comércio exterior. Logo no começo dos trabalhos percebemos que algo estava errado. Havia uma sequência interminável de interfaces entre diferentes sistemas informáticos, cada uma agregando muito pouco ao produto final do processo, que era o pacote de documentos de exportação. Facilmente percebemos que esta sequência, que roubava algo como um dia e meio ou dois do processo poderia ser reduzida a poucos minutos. Aí está a grande diferença entre se olhar o processo do ponto de vista do sistema ou o sistema do ponto de vista do processo. Se analisássemos nosso mapa com o primeiro olhar, dificilmente veríamos algum problema, pois cada interface estava ali para resolver um problema, que surgiu no decorrer da história daquele processo. Problemas legítimos por si só, mas sem sentido algum do ponto de vista do processo e sua cadeia de agregação de valor. Entretanto o que fizemos foi o contrário. Olhamos a real necessidade da existência de todos aqueles sistemas e suas interfaces do ponto de vista do cliente do processo. Nem preciso dizer que foi fácil enxergar os ganhos e simplificar o trabalho fazendo este exercício.

Analisando exemplos como este é fácil perceber porque existem tantas planilhas eletrônicas apoiando softwares que deveriam sozinhos resolver o problema. Quando se utiliza a tecnologia sem um profundo conhecimento do processo, corre-se o risco de utilizá-la pela metade, ou comprar algo que não resolva o seu exato problema. Para cobrir os espaços em branco, planilhas de Excel, interfaces das mais variadas e, em casos mais complexos, quando nada mais funcionar, Post-it.

Teletransportador

Onze em cada dez textos sobre negócios começam com a frase: “No mundo globalizado de hoje com a grande velocidade das mudanças...”, já repararam? Não aguento mais isso, mas como sou invocado por natureza, vou dar um desconto. Afinal, por mais que a frase seja utilizada para vender desde cursos de “MBA” até livros sobre novas fórmulas miraculosas de desenvolvimento de equipes, o fato é que o mundo de hoje está globalizado e as mudanças ocorrem em grande velocidade.

Se o cenário é este, todo mundo está dando um jeitinho de tirar proveito. As barreiras estão sendo quebradas e atualmente as fronteiras culturais são muito mais relevantes do que as geográficas. Vamos refletir um pouco sobre as limitações deste novo mundo. Se informações viajam à velocidade dos elétrons e feixes de luz, e os serviços podem ser prestados 24 horas por dia, de qualquer lugar do mundo, qual o próximo limite se não o fluxo dos materiais?

Você pode pensar, “mas o Sedex 10 é uma evolução! E a DHL Express?” Tudo bem, se considerarmos pequenos volumes sendo transportados dentro do país a coisa evoluiu bastante, mas pense por exemplo na exportação de manufaturados. Fazer uma peça de automóvel fabricada na China chegar ao Brasil é tão ou mais difícil do que era há 10 anos. Neste caso, a logística (especificamente o fluxo de materiais) está um passo (ou dois) atrás. Se analisarmos todo o processo que envolve a exportação de um produto qualquer, nos damos conta do grande esforço necessário desde o processo de aquisição de matéria-prima até a chegada do produto acabado no consumidor final.

Usando o exemplo do Brasil, a burocracia exigida em nosso país ao invés de diminuir, como se tem feito radicalmente na China e na Índia, só faz aumentar. Vencida a barreira dos papéis temos as barreiras físicas, com estruturas ferroviárias quase inexistentes, não confiáveis e não padronizadas; estradas destruídas e insuficientes; espaço aéreo cada vez mais confuso e perigoso; e, apesar da enorme quantidade de rios em nosso território, uma falta de exploração inexplicável deste recurso. Isso tudo sem contar os desperdícios envolvidos no processo. Justamente por não podermos contar com modais de transporte confiáveis em todo o território, a quantidade de vezes que as cargas sofrem transbordo ao longo do seu trajeto consome boa parte dos lucros. Uma vez mais, o mesmo motivo faz com que as empresas necessitem de estoques elevados, em todos os pontos de suas cadeias de suprimento, para absorver as variações de lead time que ocorrem graças à falta de confiabilidade nos transportes e aos atrasos ocasionados pela burocracia aduaneira.

Em alguns lugares do mundo a situação pode estar melhor como na já citada China e nos países ditos de primeiro mundo. Em outros pode estar pior do que aqui. Mas em uma rede global, são os gargalos que ditam o ritmo. E um país com a importância do Brasil não pode ser gargalo para o crescimento mundial. Não pode e não vai, pois a economia se ajusta automaticamente e expurga os gargalos.

 

Se levássemos a análise adiante, facilmente começaríamos a entender a razão pela qual as empresas estão investindo em armazéns locais, desenvolvimento de fornecedores locais e produção localizada, perto do centro consumidor. Isso tudo sem perder as características globais de seus empreendimentos, trazendo o que existe de melhor no mundo para as operações localizadas. Mas espera um pouco, isto não é exatamente o oposto da globalização? Se pensar no fluxo de materiais como processo isolado sim, mas no mundo globalizado, a tendência da logística é estar localizada. É uma das faces da chamada glocalização trabalhando para mitigar os efeitos do atraso na evolução dos fluxos de materiais. Imagina-se que esta tendência continuará, a não ser que a próxima novidade a ser lançada seja o teletransportador. Por enquanto só em filmes, e mesmo assim com o máximo cuidado. Quem assistiu ao filme “A Mosca” deve lembrar o que aconteceu com o personagem principal. De um lado entrou um homem e uma intrusa mosca, do outro saiu o homem-mosca. Se bem que não seria nada mau para a cadeia produtiva, de um lado entram parafusos, peças mecânicas, volante, freios e assim por diante, do outro sai um carro novinho em folha, mas aí já fui mais longe do que deveria.