sábado, 22 de maio de 2010

Processo vs Projeto

Eu vivo tentando explicar a diferença entre Processos e Projetos. Para minha equipe, para as turmas do treinamento de Gestão por Processos que aplico, para colegas e para eu mesmo. A coisa ficou mais complicada ainda agora que as duas disciplinas estão sob o guarda-chuva de grandes associações, o PMI (Project Management Institue) para a Gestão por Projetos e o ABPMP (Association of Business Process Management Professionals) para a Gestão por Processos. As duas têm seus livros de referência, o PMBOK (Project Management Body of Knowledge) e o BPM-CBOK (Business Process Management Common Body of Knowledge) respectivamente, e as duas têm certificações profissionais respeitáveis, o PMP (Project Management Professional) e o CBPP (Certified Business Process Professional). Se os profissionais em geral já tinham a dificuldade natural de entender (e gerenciar) o que é Projeto e o que é Processo dentro de uma empresa, agora complicou de vez. Até a sopa de letrinhas descrita acima é parecida. Como estudei, me especializei e apliquei as duas (por necessidades diferentes em momentos de carreira diferentes), não pretendo largar o osso até que eu ache o exemplo perfeito, simples e autoexplicativo desta diferença. Não sei se vai ser desta vez, mas vamos lá.
Fui de férias com minha esposa e o neném para a praia de Bombinhas em Santa Catarina. Sempre que vamos até lá ficamos hospedados em uma pousada muito gostosa, na beira-mar, não muito perto do centrinho, mas perto o suficiente para não gastar 1 litro sequer de gasolina nos oito ou nove dias que geralmente ficamos por lá. Resumindo, o lugar ideal para nós. Pois é, desta vez tentamos inovar. O dinheiro andava curto com a chegada do neném e depois de muita pesquisa encontramos uma pousada bem na ponta da praia, quase no morro, por aproximadamente um terço do preço. Já ouviu a expressão “não existe almoço grátis”? Não criaram esta expressão a toa. Chegando lá percebemos a furada. O quarto que alugamos ficava a uns 200 metros da praia, no terceiro andar de um prédio sem elevador. Veja bem, carregar um neném de 12 quilos, que ainda não anda, por três lances de escada não é o fim do mundo. Carregar os 200 quilos de tralhas que um neném de 12 quilos precisa para viver feliz por três lances de escada, aí sim é de lascar.
Calma que a diferença entre Projetos e Processos está chegando!
Assim que percebemos a burrada que tínhamos feito, corri no balcão da recepção da pousada para negociar. E aí começou o desalinhamento. Para a moça do balcão, minha estada na pousada é um Processo. Uma entre várias. Um ponto na curva estatística. Ela faz check-ins, escuta reclamações, consegue travesseiro extra e faz check-outs para dezenas de clientes todos os dias. Já para minha esposa, meu neném e eu, os oito dias na praia são um Projeto. Ocorre apenas uma vez no ano, tem data para iniciar e acabar, dinheiro contado e apenas uma chance de sucesso. Se falhar, corremos o risco de encenar uma cópia tupiniquim e piorada de um filme de Sessão da Tarde, daqueles do Chevy Chase. Quando a nada simpática moça do balcão falou que não devolveria o adiantamento que eu havia feito para os dias de nossa estada, eu já comecei a ver os créditos rolando na minha cabeça, “Férias Frustradas em Bombinhas”, estrelando minha pequena família e eu.
Esperneei, ameacei, fiz bico, mas no final das contas não teve jeito. O melhor que consegui foi transferir nossa reserva para o bloco da pousada que fica de frente para o mar, pelo mesmo preço daquela outra pousada, sem escadas, perto (mas não tão perto) do centrinho, que adoramos ficar. Mesmo assim com o “bônus” de ter que trocar de quarto duas vezes durante o período de estada. Sim, você leu direito, três quartos diferentes em oito dias de férias na praia. Com escada. Só que agora de frente para o mar.
Todos os dias que eu passava na portaria da pousada, fazia uma cara de coitado para ver se pelo menos a desgraçada lembrava da nossa situação. Na verdade, duas horas depois do check-in ela nem lembrava mais quem éramos. Eu subia a escada que leva do nível do mar à recepção bufando, pingando suor, com o neném em um braço tentando morder minha bochecha por causa do sal do mar e as bóias, o baldinho e a sacola de piscina no outro braço, quase caindo (o braço, não a sacola). Nada. Nenhum sinal de compaixão.
No final das contas, com recepcionista antipática, 12.935 degraus (subidos ou descidos), o mesmo gasto que tentáramos evitar, algumas gramas de sal surrupiadas das minhas bochechas pelo neném, vários litros de gasolina gastos e muitas risadas, curtimos as férias do mesmo jeito de sempre.
Entretanto, essa experiência me fez refletir. Na verdade pouco importa a diferença acadêmica (ou até prática) entre Projetos e Processos. O que interessa é que todo Processo, seja ele industrial ou de serviços, entrega um produto que toca diretamente o Projeto de vida de alguém. A recepção de uma pousada, uma consulta médica, a produção de veículos em uma montadora, seja o que for, controlamos por estatísticas o que é pontual e de extrema importância para ‘aquele’ cliente. Se a gestão de sua empresa é feita da maneira tradicional, qual seja, organogramicamente, por processos, por projetos ou matricialmente, tanto faz. O que interessa é que o produto dela (no caso das B2C) ou o produto final da cadeia de valor (no caso das B2B), geralmente é parte importante do Projeto de vida de alguém. E eu garanto, se você não perceber isso, esse alguém nunca mais põe os pés na sua pousada.

domingo, 9 de maio de 2010

Supply Chain vs. Supply Chain

Quando Michael Porter imortalizou o termo Cadeia de Valor (Value Chain), no seu best seller de 1985, eu ainda estava preocupado em garantir que ganharia de Natal o Falcon que mexia os olhos (da série “olhos de águia”), ao invés do modelo mais simples. Ele (o Porter, não o Falcon) dizia que a verdadeira competição se daria entre cadeias de valor e não mais entre empresas. Somente vários anos depois, quando comecei minha carreira em logística e passei a me familiarizar com as teorias de gestão da cadeia de suprimentos (Supply Chain – a irmã mais assanhada e espaçosa da Value Chain de Porter) e da gestão por processos é que percebi que, na maioria dos casos, ao contrário da competição entre cadeias previstas por Porter, o que se vê na prática é uma competição dentro das cadeias.
Não poderia ser diferente. Se é raro encontrar alinhamento de processos dentro de uma empresa, quem dirá entre empresas. O que se vê de verdade é o velho modelo, ganha mais quem tem mais força, apesar de todo o discurso de “parceria” que se vê nas relações entre os elos das cadeias. Recentemente, em um bate-papo com um respeitado professor da área de logística, infraestrutura e supply chain, perguntei a ele o que achava sobre a integração entre os elos das cadeias de suprimentos e da colaboração entre eles. Minha desconfiança se comprovou. Na sua visão, muito pouco é colocado em prática.
Realmente não fico surpreso em saber que os modelos colaborativos têm poucos exemplos verdadeiros de sucesso. Como alinhar processos colaborativos em uma cadeia de suprimentos completa, se dentro dos muros da empresa pouca gente se dá conta de que o verdadeiro valor aos clientes está sendo criado nos processos empresariais e não nas áreas funcionais? Costumo dizer que o cliente do processo é o cliente da empresa, enquanto que o cliente da área é o seu gerente ou diretor. Então, para podermos falar de cadeias de valor dentro da empresa, ou de cadeias de suprimentos entre empresas, temos que falar de processos e esquecer-nos dos domínios desenhados nos organogramas oficiais da empresa, dos feudos organizacionais, dos silos que criam a distância entre o valor e o cliente, aquele ser esquisito que traz o dinheiro para dentro da nossa casa.
Os processos existem dentro das empresas, queiramos nós ou não. A questão é se vamos gerenciá-los ou deixá-los à deriva, quem sabe entregando o que o cliente quer, quem sabe não. Se você ler qualquer clássico de administração, de uma maneira ou de outra, a visão por processos está lá, sempre se opondo ao apego que temos pelas estruturas hierárquicas da era industrial. O seminal Improving Performance de Rummler e Brache, detalha o conceito e a prática. É impossível para mim citar apenas algumas linhas deste livro, acabaria copiando o livro todo. No best seller A Quinta Disciplina, Peter Senge diz “Tradicionalmente, as organizações tentam superar a dificuldade de enfrentar a amplitude do impacto das decisões dividindo sua estrutura em componentes. Instituem hierarquias funcionais que as pessoas conseguem ‘abraçar’ com mais facilidade. Contudo, as divisões funcionais se transformam em feudos e o que um dia foi uma conveniente divisão do trabalho se transforma em ‘chaminés’ que eliminam o contato entre as funções. Resultado: a análise dos problemas mais importantes da empresa, as questões complexas que atravessam os limites funcionais, torna-se um exercício arriscado ou inexistente.” Até mesmo Ram Charan, no seu Know-How, escreve “Deve-se estar apto a planejar pormenorizadamente os mecanismos operacionais, garantir que cada um seja voltado a um resultado de negócios e diagnosticar a forma como cada um deles está funcionando. Se mecanismos novos forem necessários ou os existentes estiverem obsoletos, é sua função mudá-los.” Ele está claramente falando de processos empresariais, uma vez que os alinha a um “resultado de negócio” e não de uma determinada área ou departamento. Em resumo, a teoria está aí. A prática nem tanto.
Por exemplo, é comum de se ver nas empresas a área de Supply Chain, com diretor, gerentes, supervisores, coordenadores, analistas e operadores. Todo o povo está lá. O difícil é ver esta área se preocupando com os processos de Supply Chain, que envolvem a maioria das (para não dizer todas as) outras áreas da empresa. Área não substitui processo, a não ser que ela seja grande o suficiente para englobar as atividades desde o pedido do cliente até a entrega do produto. Mesmo nestes casos, a área terá suas divisões e estas poderão se transformar em novos feudos.
Se para nós, profissionais de logística e supply chain – e para qualquer profissional na verdade, - o que deveria importar é o resultado final da empresa, e não apenas nossos indicadores locais, devemos confrontar área de Supply Chain com processo de Supply Chain. A primeira, área de conhecimento e funcional, importante, mas não suficiente. A segunda, processo (ou cadeia) de suprimentos, onde o valor realmente é criado. Só então poderemos falar em cadeias de valor, em parcerias, em modelos colaborativos e assim por diante. Quando isto acontecer, deixaremos de ser profissionais da área de Supply Chain e passaremos a ser profissionais de valor para a empresa, seja qual for a caixinha do organograma que ocupemos.
Agora peço licença para curtir o finalzinho das férias com meu filhote, que no momento está mais interessado em arrancar os olhos do meu Falcon (que acabei de encontrar na minha caixa de velharias) do que nessas histórias de Michael Porter.