domingo, 7 de dezembro de 2014

SIPOC e a educação no Brasil


Existe uma técnica de levantamento de processos, muito simples, que pode ser utilizada em vários contextos, chamada SIPOC. O nome deriva justamente da estrutura da ferramenta, que consiste em listar processos de negócio identificando-se o processo, seus fornecedores, insumos, saídas e clientes ou, na sequência original, Supplier, Input, Process, Output e Client. SIPOC.

Eu geralmente a utilizo para mapear o contexto de um negócio. Quais seus principais processos, como eles interagem, quais seus limites, como são medidos e assim por diante. Para isso, tomei a liberdade de expandir um pouco o conceito e inclui mais dois elementos, os Indicators e o Owner, ou seja, os indicadores e o dono do processo. Assim, veio ao mundo o SIPOCIO, irmão metido e grandalhão do velho e bom SIPOC.

O SIPOCIO está presente em todas as minhas turmas de pós-graduação. Como leciono gestão por processos de negócio, a ferramenta encaixa perfeitamente nas etapas de mapeamento de contexto. Na figura abaixo, a versão que eu utilizo.



Nas aulas, o exemplo que uso para treinarmos a ferramenta juntos é o da própria sala de aula. Começo perguntando: — “que processo estamos vivendo neste exato momento, dentro desta sala de aula?” A resposta quase imediata: — “aula de pós-graduação.” Perfeito. Continuo perguntando: —“quem é o fornecedor, e o que ele fornece para que este processo possa rodar adequadamente?” Moleza: — “é o professor (geralmente dito na forma mais moderna, profe), e a entrada que ele fornece é conhecimento.” Vou anotando no quadro e continuo: —“e quem é o cliente e o que ele espera como saída deste processo?” A turma, muito animada com a facilidade do exercício responde: — “nós, os alunos, e esperamos como entrega o conhecimento.” Fantástico. Exercício quase pronto. —“E o indicador?” – Pergunto eu. A turma, depois de pensar um pouco: — “é a avaliação do módulo, que a gente responde no final.” — “E o dono? — “O coordenador do curso.” Pronto! Exercício fechado em 2 minutos. Invariavelmente ele termina com a cara da figura abaixo.



Parece tudo certo. Todos estão satisfeitos. É nesse momento que eu pergunto: —“na linguagem de processos, o que é uma ruptura? Ou se preferirem, na linguagem lean, o que é desperdício?” Todos pensam um pouco e as respostas vão surgindo. No final das contas chegamos à conclusão de que ruptura, ou desperdício, é alguma atividade que não agrega valor. Ora, se não agrega valor, não transforma. Se não transforma, o que sai é igual ao que entra. Por favor, querido leitor, dê uma olhada novamente na figura acima. Input e output do nosso SIPOC são exatamente iguais, o conhecimento do “profe”. Conclusão: segundo a versão dos alunos para o processo de aula de pós-graduação, nada é transformado durante a aula, nenhum valor é criado, apenas transferido. Neste momento eu pergunto: —“quanto vocês pagam por mês para estarem aqui? Com esse dinheiro, quantos livros conseguiriam comprar?” Pergunto isso porque absolutamente todo o conhecimento que tenho para transmitir está nos livros. Aliás, os livros são mais completos, perenes e profundos do que eu consigo transmitir em 16 horas. Com essa provocação no ar, eu convido meus queridos alunos a refazer o SIPOC, e assim começamos uma vez mais.

Pergunto: — “vocês estão aqui só para ouvir um mala falar por 16 horas sobre o que está no livro?” Turma: —“NÃO”. Continuo: — “o que mais buscam aqui?” Turma: —“compartilhar experiências”. Eu: —“só do professor?” Turma: —“NÃO, dos colegas também”. Eu: — “então quem são os fornecedores deste processo?” Turma: —“nós e o profe.” Eu: —“e o que esperamos destes fornecedores, apenas conhecimento?” Turma: —“NÃO, experiência, casos reais, soluções aplicadas, sucessos, fracassos, quem sabe até uma namorada nova” (eles se empolgam). Eu também me empolgo e continuo: —“e, sendo os alunos os clientes, o que vocês esperam como saída deste processo, agora com esta nova gama de entradas?” A turma debate e responde magistralmente: —“a capacidade de aplicar o conhecimento adquirido e as soluções descobertas com a experiência dos outros.” Pronto, agora temos valor sendo criado, temos transformação. Para encerrar com chave de ouro baixo minha voz, olho para o infinito para dramatizar, e pergunto: — “neste cenário, vocês acham que realmente o indicador que mede se este processo teve sucesso é a avaliação do módulo?” Silêncio total. Insisto: —“como podemos ter certeza de que vocês desenvolveram a capacidade de aplicar no dia-a-dia empresarial os conhecimentos aqui adquiridos?” Mais silêncio. — “Neste momento desenho um enorme cifrão no quadrado do indicador do nosso SIPOCIO. Pergunto: — “adianta alguma coisa saber aplicar algo se não for para crescer? Tua empresa, você, a comunidade? Meu melhor indicador para eu saber que a aula foi bem sucedida é um e-mail de vocês me contando que foram promovidos porque conseguiram aplicar com sucesso o que discutimos aqui. Ou vocês não esperam nenhum retorno para o investimento de dinheiro e sábados longe da família por mais de um ano?” Agora nosso SIPOCIO mudou consideravelmente.


Pronto. Exercício encerrado. Convido a turma a sempre ir mais a fundo ao aplicar a ferramenta na vida real. Nunca conformar-se com as primeiras respostas, pois elas podem não refletir, de fato, a vontade do cliente e a verdadeira vocação do processo que está sendo analisado.

Toda vez, sem exceção, que aplico este exercício, vou para casa me perguntando, se meus alunos de pós, que têm um nível bacana de formação e experiência profissional, devem ser provocados e conduzidos para chegar à conclusão de que educação não é apenas transmissão de conhecimento, como nossa sociedade, governantes, pais, profissionais, etc. estão encarando esse negócio?


O problema educacional é geralmente encarado através das suas variáveis quantitativas (quantas escolas, quantos alunos, quantos professores com mestrado e assim por diante). Algumas vezes, mais raras, é encarado através de suas variáveis qualitativas (didática dos professores, qualidade das instalações, qualidade do livro didático, etc.). Nunca, entretanto, o problema educacional no Brasil é discutido sobre o ponto de vista de resultados. O aluno conseguiu aplicar o que aprendeu? Essa aplicação o conduziu a ter uma carreira melhor e mais robusta do que a do pai dele? Ele fez a diferença para sua comunidade ou para a sociedade em geral? Mesmo que resolvamos os problemas quantitativos e qualitativos, se não mudarmos a forma de ver a educação, passaremos horas em sala de aula, com a sensação de que perdemos tempo. O livro é mais barato.