sábado, 1 de outubro de 2011

Banca

Um grande amigo (e profundo conhecedor de Logística e Supply Chain) me disse uma vez uma frase que ficou na minha cabeça. Ele estava tendo algum tipo de problema com a assinatura que ele fazia de algumas revistas de uma grande e conhecida editora nacional. Depois de alguns telefonemas e discussões, ele falou para o responsável que o estava atendendo que a pior coisa que uma editora poderia fazer, era obrigá-lo a ir à banca de revistas.

Perceba quão poderoso e profundo é este insight. O que ele estava dizendo (e com certeza a pessoa que o atendia não entendeu) é que era papel da logística, que estava falhando constantemente na entrega das suas revistas, em garantir a manutenção dos clientes da empresa. Se você assina uma revista é porque quer recebê-la em casa, com conforto, antes de ela chegar às bancas e por um preço justo. Se a empresa falhar nesta missão, o cliente deixa de assinar e vai comprar a revista na banca. O problema é que na banca existem outras revistas, do mesmo assunto ou não, que competem pelo mesmo dinheiro que o cliente está disposto a gastar em revistas naquele mês.

Eis que, meses depois de escutar a história desse amigo e anos depois de ter me tornado assinante de uma conhecida revista de negócios nacional, o mesmo problema aconteceu comigo. Vamos fazer um exame da situação. Faltava pouco menos de um ano para a assinatura da revista expirar. Como tinha recém adquirido um tablet e instalado o aplicativo da revista, telefonei para a editora com a proposta de converter o que faltava da minha assinatura “física” em assinatura “digital”. Foi aí que a confusão começou. A primeira resposta foi de que ainda não estavam comercializando assinaturas para o tablet. Meses depois, quando já estavam supostamente comercializando assinaturas eletrônicas (pois eu tinha recebido uma carta com a proposta), insisti na solicitação. A resposta foi interessante: “Caro Rodrigo, para conhecer e assinar nossas publicações ligue para o nosso Serviço de Vendas de Assinaturas pelo telefone XXXX-XXXX (Grande São Paulo) ou 0800 YYY YYYY (demais localidades), no horário de segunda a sexta-feira das 8h às 22h e aos sábados das 9h às 16h.” Fantástico alinhamento com o cliente. Encerrei a assinatura no ato e fui para as bancas, reais e virtuais.

Essa é a versão curta da história. Nesse meio tempo, tentando entender o porquê da relutância da editora em atender à solicitação de um cliente, tentei racionalizar os motivos do não. Logisticamente não faz nenhum sentido. Se compararmos a entrega eletrônica com a física, fica obvio que esta última é mais cara (papel, tinta, transportes, mão-de-obra para a entrega, etc.) e menos amiga do ambiente. Não sei quanto o tio Jobs cobra da editora para comercializar suas revistas na sua plataforma de vendas do tablet, mas é difícil pensar que isso supere os custos da distribuição física. Não encontrei nenhuma explicação lógica e logística que fizesse sentido. Só pude chegar a uma conclusão. Mais uma vez os silos organizacionais estavam entrando em ação.

Supondo que as unidades de negócio que comercializam a revista física e as que cuidam da venda eletrônica não são as mesmas, a equação estaria solucionada. Cada uma delas tem seus KPIs a serem cumpridos, não necessariamente alinhados com o resultado final da empresa. Fica claro que o pessoal da revista física não iria abrir mão de um cliente assim tão facilmente. Como resultado, essa unidade de negócio perde o cliente, a outra não o ganha e o resultado final da empresa sofre. É o velho e bom desalinhamento de processos de negócio aflorando. Bingo! Meu dilema estava resolvido. Cheguei a uma explicação. Continuo sem o conforto da minha assinatura, mas tenho me divertido nas bancas de revista.

Amansa Egos

Não faz muito tempo, em uma de minhas turmas de pós-graduação, houve um debate interessante acerca de uma ferramenta simples e bastante explorada, a matriz de decisão. Sempre levo uma aplicação simples para que a turma possa usar a ferramenta em um exercício lúdico, que depois facilite sua aplicação no dia-a-dia empresarial. Depois que cada uma das equipes decidiu, usando a ferramenta, se comprariam um apartamento ou se construiriam uma casa, o debate teve início. Discutimos sobre o poder que esta ferramenta tem de trazer todas as discussões sobre priorizações de projetos e tomadas de decisão para o concreto. Em algumas equipes, a decisão da maioria seria por comprar um apartamento e a ferramenta indicou a construção de uma casa. E todos estavam satisfeitos com a decisão, pois ela fazia sentido. Concluímos também que a matriz de decisão tem a capacidade de fazer com que se chegue a um “consenso científico”. Mesmo que algumas opiniões sejam contrariadas, o resultado é dividido por todos. A discussão foi se aprofundando, quando um aluno sugeriu que a matriz de decisão não é uma ferramenta de decisão ou priorização, mas sim uma ferramenta “amansa egos”, que faz com que se deixe de lado gostos pessoais, modelos mentais e pré-conceitos, e privilegia a melhor decisão possível com o conjunto de dados e fatos que se tem em mãos. Foi a melhor definição que já ouvi até hoje. Roubei-a do aluno para sempre.

Graças à discussão interessante e à conclusão “perturbadora” do aluno, fiquei pensando sobre isso. A que ponto chegamos na vida empresarial, que precisamos de uma ferramenta científica para deixar os egos de lado e buscar o melhor para clientes e acionistas? A análise do comportamento dos feudos organizacionais nos dá uma pista. É fato que precisamos deles dentro das organizações para dar conta do volume de novas tecnologias, informações e decisões a serem tomadas no dia-a-dia. O nó está em acreditar que o senhor feudal é o cliente dos esforços empreendidos pelo seu pessoal, quando na verdade, ele é muito mais do que isso. Ele é um gestor de recursos, que deveria sabiamente aplicá-los aos processos organizacionais de modo a atender o verdadeiro cliente da organização, aquele que compra o produto ou o serviço por ela prestado. Quando nos esquecemos disso, os muros ganham altura e robustez, o senhor feudal, poder e arrogância, os egos inflam e o resultado míngua. É mortal.

Recentemente defendi, em um artigo intitulado “A Síndrome da Boa Notícia”, que, graças a esta miopia causada pelos muros altos dos feudos, dentre outros fatores, a alta gestão das empresas está fadada a receber boas notícias que, na melhor das hipóteses, não se somam em resultados positivos para toda a organização. Na pior hipótese sequer se concretizam, sem que ninguém consiga ver que nada foi entregue.

É claro que em ambientes como esse, ferramentas “amansa egos” como a identificada pelo meu aluno na matriz de decisão são sempre bem vindas, mas a questão é muito mais profunda. E questões profundas requerem soluções sistêmicas.

Há que se levar em conta o ambiente em que se está operando, a cultura da empresa, as redes organizacionais e assim por diante. Entretanto, do que não se pode escapar é de imputar na organização, em todos os seus níveis, uma visão por processos. Mesmo que a gestão da empresa não seja puramente por processos (raramente é), explicitar os grandes processos organizacionais, gerenciá-los e garantir um ambiente meritocrático alinhado com os indicadores dos principais processos do negócio é essencial para que todos remem na mesma direção. Assim garante-se que as boas notícias sejam de fato boas para toda a organização. Como disseram Geary Rummler e Alan Brache no seminal “Melhores Desempenhos das Empresas”, em uma tradução livre, “Os Processos estão rodando (ou, frequentemente, tropeçando) nas organizações, quer queiramos ou não. Nós temos duas opções – podemos ignorá-los e esperar que eles façam o que gostaríamos que fizessem, ou nós podemos entendê-los e gerenciá-los”.

Sendo assim, em um ambiente onde os processos de negócio estejam explicitados para toda a organização, os papeis dentro de cada um dos principais processos estejam claramente definidos e delimitados e onde os indicadores se componham para garantir o resultado final, que o cliente possa sentir e dar valor, ferramentas “amansa egos” se tornam secundárias. Os senhores feudais dão lugar aos guardiões dos resultados, e para esses, feudalismo é coisa de livro de história e ego, de aula de psicologia.