domingo, 31 de outubro de 2010

Elétrons Livres

Hoje falamos muito da geração Y, também chamada de Geração Millenials, Geração Next ou Echo Boomers. Pessoas que nasceram à partir da metade da década de 70 até no máximo o início dos anos 2000 (a versão mais popular hoje em dia vai de 1982 a meados dos anos 90), e que agora começam a assumir a frente das organizações. Depois dos Y, já temos a geração Z, ou geração I (de Internet), mas são ainda muito novos para chamar a atenção da vida corporativa. Ao mesmo tempo em que os da geração X, que antecedeu a Y (de 1961 a 1981), e que hoje estão no topo das organizações, já são conhecidos o suficiente e perderam o charme. Antes deles tivemos os Baby Boomers (pós segunda guerra, de 1946 a 1964), a Silent Generation (de 1925 a 1945), a Grande Geração (de 1901 a 1924) e a Geração Perdida (Lost Generation) antes de todos. Ou seja, nossa mania de empacotar e etiquetar tudo para tornar nossa vida mais fácil já vem de longa data.

Se este empacotamento das gerações facilita as análises sociológicas e organizacionais, nem sempre a etiqueta colocada serve para todos. O risco de erros de análise trazidos pela generalização é sempre inerente a este tipo de classificação. Mas que ajuda, ajuda. Especialmente para que as gerações se entendam entre elas.

No entanto, seja de qual geração for, temos percebido um tipo de profissional que tem se diferenciado nas organizações, e saber aproveitar o melhor deles pode trazer ganhos consideráveis. Vamos chamá-los de elétrons livres.

Os elétrons livres têm fortes características da geração Y, como a familiaridade inata com as várias mídias e meios de comunicação e com as tecnologias digitais, um alto grau de identificação com a cultura pop em geral, baixa fidelidade às organizações e alta fidelidade aos seus projetos de carreira, forte consciência ambiental e alto apreço pela qualidade de vida. Entretanto, nem todos os profissionais da geração Y são elétrons livres, assim como podemos ter elétrons livres de outras gerações. O que os diferencia é exatamente a associação das principais características destas gerações com uma absurda capacidade de realização e entrega. Os elétrons livres são muito mais voltados a projetos do que a rotinas. É como se fosse um típico Y que entrega muito mais do que a média e em tempo recorde.

O elétron livre, por definição, não deve estar preso. Isso significa que as organizações devem criar postos livres de organograma para estas pessoas. Isso não significa que o elétron livre não terá um líder, mas que a característica deste líder deve ser totalmente diferente do tradicional. Mesmo que respondendo para um gerente funcional, o elétron livre deve ter a capacidade de se mover sem amarras para onde os grandes projetos estejam. Seu líder deve entender isso, facilitar sua atuação e ajudar apenas quebrando barreiras que ainda dependam fortemente da hierarquia. Precisa ser elétron livre para gerenciar um elétron livre? Não, mas precisa entender o papel dele na organização, e evitar com todas as forças a tentação de encaixá-lo. Trabalho padrão não combina com ele. Se tentar fazer isso, ele vai embora.

Uma possível saída para a contratação e o desenvolvimento de elétrons livres na organização são os programas de trainees. Um pouco desvirtuados hoje em dia, parecendo muito mais com um programa de contratação de estagiários de luxo, os programas de tainees das empresas poderiam ser adaptados para facilitar a contratação de elétrons livres, o posicionamento dos mesmos próximos a líderes que tenham a capacidade de guiá-los e o acompanhamento dos seus projetos e dos resultados advindos deles. No livro Good to Great, de Jim Collins e equipe, uma das características apontadas nas empresas que tiveram momentos de virada importantes e têm se sustentado no topo, é a capacidade que estas empresas têm de trazer para dentro de casa pessoas de primeira linha, mesmo sem ter a “vaga” no organograma. Collins diz que o mais importante é colocar a pessoa para dentro. A própria pessoa encontrará o caminho para fazer a diferença e trazer os resultados. Acreditamos que este é o caso dos elétrons livres.

Com “vaga” ou sem, no programa de trainees ou não, geração Y, X ou Z, o fato é que em um ambiente onde as coisas acontecem muito mais nas interfaces do que nos feudos herméticos das organizações, e a velocidade com que elas acontecem não foi acompanhada pelas “dinossáuricas” estruturas organizacionais, a vinda do elétron livre é um sopro de esperança para a retomada da emoção de se viver as grandes conquistas dentro das empresas.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Logística Lean e o Grande Desperdício

Estive recentemente em São Paulo no Lean Summit 2010. Organizado pelo Lean Institute Brasil, o evento reuniu em dois dias de palestras os maiores pensadores Lean ainda em ação. Estavam por lá James Womack (A Máquina que Mudou o Mundo), John Shook, Rick Harris entre outros famosos da “Liga Lean de Eliminação de Desperdícios”. Os dois dias foram divididos em várias sequências temáticas de quatro palestras cada. Meu pretexto para participar foi de que eu assistiria às palestras relacionadas à logística e movimentação de materiais. Não deu certo. Quando fui – de última hora, diga-se de passagem – escolher as palestras às quais assistiria, resolvi mudar de rumo. Talvez esta tenha sido a última vinda do Womack a eventos como este, de tal forma que resolvi não perder nada do velho mestre.

No final da maratona, sentado num café do aeroporto, aguardando meu voo de volta, resolvi salvar meu emprego (e a moral com meus queridos leitores) e, já que não tinha visto nenhuma palestra relacionada à logística lean, pelo menos um artigo sobre o tema me vi obrigado a escrever.

No fundo, no fundo, se levarmos radicalmente a sério a máxima lean de que devemos buscar incansavelmente a eliminação dos sete desperdícios, que são, de movimento, de estoque, de superprodução, de tempo de espera, de processamento, de transporte e de defeitos, deveríamos eliminar a função logística das empresas. Pense bem, logística é puro desperdício, ou melhor ainda, é todo um ramo do conhecimento humano dedicado à gestão do desperdício. Profissionais ganham muito dinheiro vendendo livros sobre como bem gerenciar estes desperdícios. Outros dão consultorias para te ensinar a fazê-lo. Outros ainda escrevem artigos em revistas sobre o tema. Ops, como faço parte deste último grupo, e tenho uma reputação a zelar, está na hora de salvar a pátria e evitar constrangimentos.

Pois bem, se logística é a gestão de algumas categorias de desperdícios (do ponto de vista lean), e estes desperdícios podem e devem ser minimizados (apesar de raramente se conseguir eliminá-los por completo), cabe a nós logísticos a busca constante pela auto-extinção da nossa espécie. Se temos estoques, queremos reduzi-los ao máximo, ou de preferência eliminá-los. Se temos que transportar, brigamos para colocar o fornecedor o mais próximo possível da fábrica, ou as peças o mais perto possível do operador de máquina. Poderia citar vários outros exemplos, mas seria um estímulo à depressão coletiva. Nossa busca pela excelência é ao mesmo tempo (e no limite) a nossa busca por outro emprego. Sorte nossa que este limite não existe e buscamos nossa própria extinção com a segurança de saber que, no ambiente altamente complexo em que operamos, ela é inatingível. Enquanto isso, economizamos muito dinheiro para nossas empresas.

Pediram para o Womack explicar, durante uma de suas palestras, como identificar o que é uma ferramenta lean. A resposta dele foi simples e categórica: qualquer ferramenta que faça com que a empresa faça mais com menos esforço pode ser considerada uma ferramenta lean. Se ele estiver certo – e pelo investimento feito no evento é bom que ele esteja – nada tem mais potencial de ser lean do que as ferramentas de gestão da logística e da supply chain. Estamos salvos.

sábado, 22 de maio de 2010

Processo vs Projeto

Eu vivo tentando explicar a diferença entre Processos e Projetos. Para minha equipe, para as turmas do treinamento de Gestão por Processos que aplico, para colegas e para eu mesmo. A coisa ficou mais complicada ainda agora que as duas disciplinas estão sob o guarda-chuva de grandes associações, o PMI (Project Management Institue) para a Gestão por Projetos e o ABPMP (Association of Business Process Management Professionals) para a Gestão por Processos. As duas têm seus livros de referência, o PMBOK (Project Management Body of Knowledge) e o BPM-CBOK (Business Process Management Common Body of Knowledge) respectivamente, e as duas têm certificações profissionais respeitáveis, o PMP (Project Management Professional) e o CBPP (Certified Business Process Professional). Se os profissionais em geral já tinham a dificuldade natural de entender (e gerenciar) o que é Projeto e o que é Processo dentro de uma empresa, agora complicou de vez. Até a sopa de letrinhas descrita acima é parecida. Como estudei, me especializei e apliquei as duas (por necessidades diferentes em momentos de carreira diferentes), não pretendo largar o osso até que eu ache o exemplo perfeito, simples e autoexplicativo desta diferença. Não sei se vai ser desta vez, mas vamos lá.
Fui de férias com minha esposa e o neném para a praia de Bombinhas em Santa Catarina. Sempre que vamos até lá ficamos hospedados em uma pousada muito gostosa, na beira-mar, não muito perto do centrinho, mas perto o suficiente para não gastar 1 litro sequer de gasolina nos oito ou nove dias que geralmente ficamos por lá. Resumindo, o lugar ideal para nós. Pois é, desta vez tentamos inovar. O dinheiro andava curto com a chegada do neném e depois de muita pesquisa encontramos uma pousada bem na ponta da praia, quase no morro, por aproximadamente um terço do preço. Já ouviu a expressão “não existe almoço grátis”? Não criaram esta expressão a toa. Chegando lá percebemos a furada. O quarto que alugamos ficava a uns 200 metros da praia, no terceiro andar de um prédio sem elevador. Veja bem, carregar um neném de 12 quilos, que ainda não anda, por três lances de escada não é o fim do mundo. Carregar os 200 quilos de tralhas que um neném de 12 quilos precisa para viver feliz por três lances de escada, aí sim é de lascar.
Calma que a diferença entre Projetos e Processos está chegando!
Assim que percebemos a burrada que tínhamos feito, corri no balcão da recepção da pousada para negociar. E aí começou o desalinhamento. Para a moça do balcão, minha estada na pousada é um Processo. Uma entre várias. Um ponto na curva estatística. Ela faz check-ins, escuta reclamações, consegue travesseiro extra e faz check-outs para dezenas de clientes todos os dias. Já para minha esposa, meu neném e eu, os oito dias na praia são um Projeto. Ocorre apenas uma vez no ano, tem data para iniciar e acabar, dinheiro contado e apenas uma chance de sucesso. Se falhar, corremos o risco de encenar uma cópia tupiniquim e piorada de um filme de Sessão da Tarde, daqueles do Chevy Chase. Quando a nada simpática moça do balcão falou que não devolveria o adiantamento que eu havia feito para os dias de nossa estada, eu já comecei a ver os créditos rolando na minha cabeça, “Férias Frustradas em Bombinhas”, estrelando minha pequena família e eu.
Esperneei, ameacei, fiz bico, mas no final das contas não teve jeito. O melhor que consegui foi transferir nossa reserva para o bloco da pousada que fica de frente para o mar, pelo mesmo preço daquela outra pousada, sem escadas, perto (mas não tão perto) do centrinho, que adoramos ficar. Mesmo assim com o “bônus” de ter que trocar de quarto duas vezes durante o período de estada. Sim, você leu direito, três quartos diferentes em oito dias de férias na praia. Com escada. Só que agora de frente para o mar.
Todos os dias que eu passava na portaria da pousada, fazia uma cara de coitado para ver se pelo menos a desgraçada lembrava da nossa situação. Na verdade, duas horas depois do check-in ela nem lembrava mais quem éramos. Eu subia a escada que leva do nível do mar à recepção bufando, pingando suor, com o neném em um braço tentando morder minha bochecha por causa do sal do mar e as bóias, o baldinho e a sacola de piscina no outro braço, quase caindo (o braço, não a sacola). Nada. Nenhum sinal de compaixão.
No final das contas, com recepcionista antipática, 12.935 degraus (subidos ou descidos), o mesmo gasto que tentáramos evitar, algumas gramas de sal surrupiadas das minhas bochechas pelo neném, vários litros de gasolina gastos e muitas risadas, curtimos as férias do mesmo jeito de sempre.
Entretanto, essa experiência me fez refletir. Na verdade pouco importa a diferença acadêmica (ou até prática) entre Projetos e Processos. O que interessa é que todo Processo, seja ele industrial ou de serviços, entrega um produto que toca diretamente o Projeto de vida de alguém. A recepção de uma pousada, uma consulta médica, a produção de veículos em uma montadora, seja o que for, controlamos por estatísticas o que é pontual e de extrema importância para ‘aquele’ cliente. Se a gestão de sua empresa é feita da maneira tradicional, qual seja, organogramicamente, por processos, por projetos ou matricialmente, tanto faz. O que interessa é que o produto dela (no caso das B2C) ou o produto final da cadeia de valor (no caso das B2B), geralmente é parte importante do Projeto de vida de alguém. E eu garanto, se você não perceber isso, esse alguém nunca mais põe os pés na sua pousada.

domingo, 9 de maio de 2010

Supply Chain vs. Supply Chain

Quando Michael Porter imortalizou o termo Cadeia de Valor (Value Chain), no seu best seller de 1985, eu ainda estava preocupado em garantir que ganharia de Natal o Falcon que mexia os olhos (da série “olhos de águia”), ao invés do modelo mais simples. Ele (o Porter, não o Falcon) dizia que a verdadeira competição se daria entre cadeias de valor e não mais entre empresas. Somente vários anos depois, quando comecei minha carreira em logística e passei a me familiarizar com as teorias de gestão da cadeia de suprimentos (Supply Chain – a irmã mais assanhada e espaçosa da Value Chain de Porter) e da gestão por processos é que percebi que, na maioria dos casos, ao contrário da competição entre cadeias previstas por Porter, o que se vê na prática é uma competição dentro das cadeias.
Não poderia ser diferente. Se é raro encontrar alinhamento de processos dentro de uma empresa, quem dirá entre empresas. O que se vê de verdade é o velho modelo, ganha mais quem tem mais força, apesar de todo o discurso de “parceria” que se vê nas relações entre os elos das cadeias. Recentemente, em um bate-papo com um respeitado professor da área de logística, infraestrutura e supply chain, perguntei a ele o que achava sobre a integração entre os elos das cadeias de suprimentos e da colaboração entre eles. Minha desconfiança se comprovou. Na sua visão, muito pouco é colocado em prática.
Realmente não fico surpreso em saber que os modelos colaborativos têm poucos exemplos verdadeiros de sucesso. Como alinhar processos colaborativos em uma cadeia de suprimentos completa, se dentro dos muros da empresa pouca gente se dá conta de que o verdadeiro valor aos clientes está sendo criado nos processos empresariais e não nas áreas funcionais? Costumo dizer que o cliente do processo é o cliente da empresa, enquanto que o cliente da área é o seu gerente ou diretor. Então, para podermos falar de cadeias de valor dentro da empresa, ou de cadeias de suprimentos entre empresas, temos que falar de processos e esquecer-nos dos domínios desenhados nos organogramas oficiais da empresa, dos feudos organizacionais, dos silos que criam a distância entre o valor e o cliente, aquele ser esquisito que traz o dinheiro para dentro da nossa casa.
Os processos existem dentro das empresas, queiramos nós ou não. A questão é se vamos gerenciá-los ou deixá-los à deriva, quem sabe entregando o que o cliente quer, quem sabe não. Se você ler qualquer clássico de administração, de uma maneira ou de outra, a visão por processos está lá, sempre se opondo ao apego que temos pelas estruturas hierárquicas da era industrial. O seminal Improving Performance de Rummler e Brache, detalha o conceito e a prática. É impossível para mim citar apenas algumas linhas deste livro, acabaria copiando o livro todo. No best seller A Quinta Disciplina, Peter Senge diz “Tradicionalmente, as organizações tentam superar a dificuldade de enfrentar a amplitude do impacto das decisões dividindo sua estrutura em componentes. Instituem hierarquias funcionais que as pessoas conseguem ‘abraçar’ com mais facilidade. Contudo, as divisões funcionais se transformam em feudos e o que um dia foi uma conveniente divisão do trabalho se transforma em ‘chaminés’ que eliminam o contato entre as funções. Resultado: a análise dos problemas mais importantes da empresa, as questões complexas que atravessam os limites funcionais, torna-se um exercício arriscado ou inexistente.” Até mesmo Ram Charan, no seu Know-How, escreve “Deve-se estar apto a planejar pormenorizadamente os mecanismos operacionais, garantir que cada um seja voltado a um resultado de negócios e diagnosticar a forma como cada um deles está funcionando. Se mecanismos novos forem necessários ou os existentes estiverem obsoletos, é sua função mudá-los.” Ele está claramente falando de processos empresariais, uma vez que os alinha a um “resultado de negócio” e não de uma determinada área ou departamento. Em resumo, a teoria está aí. A prática nem tanto.
Por exemplo, é comum de se ver nas empresas a área de Supply Chain, com diretor, gerentes, supervisores, coordenadores, analistas e operadores. Todo o povo está lá. O difícil é ver esta área se preocupando com os processos de Supply Chain, que envolvem a maioria das (para não dizer todas as) outras áreas da empresa. Área não substitui processo, a não ser que ela seja grande o suficiente para englobar as atividades desde o pedido do cliente até a entrega do produto. Mesmo nestes casos, a área terá suas divisões e estas poderão se transformar em novos feudos.
Se para nós, profissionais de logística e supply chain – e para qualquer profissional na verdade, - o que deveria importar é o resultado final da empresa, e não apenas nossos indicadores locais, devemos confrontar área de Supply Chain com processo de Supply Chain. A primeira, área de conhecimento e funcional, importante, mas não suficiente. A segunda, processo (ou cadeia) de suprimentos, onde o valor realmente é criado. Só então poderemos falar em cadeias de valor, em parcerias, em modelos colaborativos e assim por diante. Quando isto acontecer, deixaremos de ser profissionais da área de Supply Chain e passaremos a ser profissionais de valor para a empresa, seja qual for a caixinha do organograma que ocupemos.
Agora peço licença para curtir o finalzinho das férias com meu filhote, que no momento está mais interessado em arrancar os olhos do meu Falcon (que acabei de encontrar na minha caixa de velharias) do que nessas histórias de Michael Porter.