domingo, 9 de maio de 2010

Supply Chain vs. Supply Chain

Quando Michael Porter imortalizou o termo Cadeia de Valor (Value Chain), no seu best seller de 1985, eu ainda estava preocupado em garantir que ganharia de Natal o Falcon que mexia os olhos (da série “olhos de águia”), ao invés do modelo mais simples. Ele (o Porter, não o Falcon) dizia que a verdadeira competição se daria entre cadeias de valor e não mais entre empresas. Somente vários anos depois, quando comecei minha carreira em logística e passei a me familiarizar com as teorias de gestão da cadeia de suprimentos (Supply Chain – a irmã mais assanhada e espaçosa da Value Chain de Porter) e da gestão por processos é que percebi que, na maioria dos casos, ao contrário da competição entre cadeias previstas por Porter, o que se vê na prática é uma competição dentro das cadeias.
Não poderia ser diferente. Se é raro encontrar alinhamento de processos dentro de uma empresa, quem dirá entre empresas. O que se vê de verdade é o velho modelo, ganha mais quem tem mais força, apesar de todo o discurso de “parceria” que se vê nas relações entre os elos das cadeias. Recentemente, em um bate-papo com um respeitado professor da área de logística, infraestrutura e supply chain, perguntei a ele o que achava sobre a integração entre os elos das cadeias de suprimentos e da colaboração entre eles. Minha desconfiança se comprovou. Na sua visão, muito pouco é colocado em prática.
Realmente não fico surpreso em saber que os modelos colaborativos têm poucos exemplos verdadeiros de sucesso. Como alinhar processos colaborativos em uma cadeia de suprimentos completa, se dentro dos muros da empresa pouca gente se dá conta de que o verdadeiro valor aos clientes está sendo criado nos processos empresariais e não nas áreas funcionais? Costumo dizer que o cliente do processo é o cliente da empresa, enquanto que o cliente da área é o seu gerente ou diretor. Então, para podermos falar de cadeias de valor dentro da empresa, ou de cadeias de suprimentos entre empresas, temos que falar de processos e esquecer-nos dos domínios desenhados nos organogramas oficiais da empresa, dos feudos organizacionais, dos silos que criam a distância entre o valor e o cliente, aquele ser esquisito que traz o dinheiro para dentro da nossa casa.
Os processos existem dentro das empresas, queiramos nós ou não. A questão é se vamos gerenciá-los ou deixá-los à deriva, quem sabe entregando o que o cliente quer, quem sabe não. Se você ler qualquer clássico de administração, de uma maneira ou de outra, a visão por processos está lá, sempre se opondo ao apego que temos pelas estruturas hierárquicas da era industrial. O seminal Improving Performance de Rummler e Brache, detalha o conceito e a prática. É impossível para mim citar apenas algumas linhas deste livro, acabaria copiando o livro todo. No best seller A Quinta Disciplina, Peter Senge diz “Tradicionalmente, as organizações tentam superar a dificuldade de enfrentar a amplitude do impacto das decisões dividindo sua estrutura em componentes. Instituem hierarquias funcionais que as pessoas conseguem ‘abraçar’ com mais facilidade. Contudo, as divisões funcionais se transformam em feudos e o que um dia foi uma conveniente divisão do trabalho se transforma em ‘chaminés’ que eliminam o contato entre as funções. Resultado: a análise dos problemas mais importantes da empresa, as questões complexas que atravessam os limites funcionais, torna-se um exercício arriscado ou inexistente.” Até mesmo Ram Charan, no seu Know-How, escreve “Deve-se estar apto a planejar pormenorizadamente os mecanismos operacionais, garantir que cada um seja voltado a um resultado de negócios e diagnosticar a forma como cada um deles está funcionando. Se mecanismos novos forem necessários ou os existentes estiverem obsoletos, é sua função mudá-los.” Ele está claramente falando de processos empresariais, uma vez que os alinha a um “resultado de negócio” e não de uma determinada área ou departamento. Em resumo, a teoria está aí. A prática nem tanto.
Por exemplo, é comum de se ver nas empresas a área de Supply Chain, com diretor, gerentes, supervisores, coordenadores, analistas e operadores. Todo o povo está lá. O difícil é ver esta área se preocupando com os processos de Supply Chain, que envolvem a maioria das (para não dizer todas as) outras áreas da empresa. Área não substitui processo, a não ser que ela seja grande o suficiente para englobar as atividades desde o pedido do cliente até a entrega do produto. Mesmo nestes casos, a área terá suas divisões e estas poderão se transformar em novos feudos.
Se para nós, profissionais de logística e supply chain – e para qualquer profissional na verdade, - o que deveria importar é o resultado final da empresa, e não apenas nossos indicadores locais, devemos confrontar área de Supply Chain com processo de Supply Chain. A primeira, área de conhecimento e funcional, importante, mas não suficiente. A segunda, processo (ou cadeia) de suprimentos, onde o valor realmente é criado. Só então poderemos falar em cadeias de valor, em parcerias, em modelos colaborativos e assim por diante. Quando isto acontecer, deixaremos de ser profissionais da área de Supply Chain e passaremos a ser profissionais de valor para a empresa, seja qual for a caixinha do organograma que ocupemos.
Agora peço licença para curtir o finalzinho das férias com meu filhote, que no momento está mais interessado em arrancar os olhos do meu Falcon (que acabei de encontrar na minha caixa de velharias) do que nessas histórias de Michael Porter.

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