quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Estagiário ao Volante

Acordei tarde e acabei saindo de casa no pior horário possível. Já passava das sete e o caminho de 30 quilômetros entre minha casa e a empresa já estava congestionado. Um terço do caminho é de cidade e o resto de estrada. Já tinha passado por todos os faróis, lombadas e canteiros de obra (as eleições se aproximam) e estava começando o trecho de 20 quilômetros de rodovia até o destino final. Cravei o 110 Km/h no piloto automático, me posicionei confortavelmente na fila da esquerda e fui me preparando para mais um dia de reuniões, planos de ação, apresentações coloridas e duvidosas e outras coisas normais do dia-a-dia corporativo. Lá pela quinta música do CD que eu estava escutando, a fila da esquerda engrossou como normalmente acontece naquele trecho. Mesmo com a pista da direita livre, me recusei a fazer ultrapassagens por aquele lado. Apesar de ter levantado tarde, não estava tão atrasado assim e resolvi não apelar.

Quando olhei pelo retrovisor, um carro de boy todo emperiquitado vinha voando pela pista da direita, ultrapassando todo mundo. Minha calma se foi. Como bom policial de trânsito que sou, fiquei indignado com a ousadia do cidadão. Acelerei para grudar no carro que estava na minha frente, pois percebi que havia um caminhão na pista da direita e que o engraçadão acabaria preso ali, sem conseguir mudar de pista e consolidar o ganho rápido e fácil que havia vislumbrado. Seria como um lucro não realizado seguido de uma grande perda, com a ganância a culpar. Não deu outra, ele chegou ao caminhão exatamente quando estava do meu lado. Não o deixei entrar. Quando estávamos alinhados olhei para o lado esperando uma reação raivosa e o que vi me surpreendeu. O motorista, que devia ter uns 19 anos e tinha uma cara inconfundível de estagiário, me olhou tranquilamente, como se eu não tivesse feito nada, desacelerou e seguiu seu caminho.

Como estou sempre à procura de material para escrever, comecei a pensar num texto traçando um paralelo entre os binômios ousadia X experiência e a pista da direita X a da esquerda. Já ia longe na imaginação, pensando em como a ousadia do estagiário não o levava a nada sem a experiência do gestor. Pensava em como contar a história do meu trecho casa-trabalho e como um estagiário havia tentado ultrapassar todo mundo pela direita sem sucesso, pois sua ânsia em mover-se rápido demais o havia cegado para a necessidade de consolidação dos resultados. Dava minha batalha contra meu próprio argumento como vencida.

O texto já se encaminhava para o final na minha cabeça, algo como umas três linhas atrás, quando o estagiário calmamente me ultrapassou pela direita. Quando percebi já era tarde demais, o caminhão havia tomado uma das saídas e o seu caminho estava livre. Ele não estava preocupado em defender posições, nem ganhar de ninguém. Queria apenas chegar ao seu destino da maneira que achou a mais rápida e interessante, sem se preocupar com as convenções estabelecidas. Todo o texto que eu havia mentalmente escrito ia por água abaixo quando me ocorreu uma frase para salvá-lo: “Dirija sua empresa ou sua área com a ousadia do estagiário e não se deixe engessar pela experiência, mas não esqueça nunca de respeitar as leis de trânsito”.

Um comentário:

Viviane Souza disse...

hahahahahah anotei a frase final para não me esquecer!!!