domingo, 12 de abril de 2009

Teletransportador

Onze em cada dez textos sobre negócios começam com a frase: “No mundo globalizado de hoje com a grande velocidade das mudanças...”, já repararam? Não aguento mais isso, mas como sou invocado por natureza, vou dar um desconto. Afinal, por mais que a frase seja utilizada para vender desde cursos de “MBA” até livros sobre novas fórmulas miraculosas de desenvolvimento de equipes, o fato é que o mundo de hoje está globalizado e as mudanças ocorrem em grande velocidade.

Se o cenário é este, todo mundo está dando um jeitinho de tirar proveito. As barreiras estão sendo quebradas e atualmente as fronteiras culturais são muito mais relevantes do que as geográficas. Vamos refletir um pouco sobre as limitações deste novo mundo. Se informações viajam à velocidade dos elétrons e feixes de luz, e os serviços podem ser prestados 24 horas por dia, de qualquer lugar do mundo, qual o próximo limite se não o fluxo dos materiais?

Você pode pensar, “mas o Sedex 10 é uma evolução! E a DHL Express?” Tudo bem, se considerarmos pequenos volumes sendo transportados dentro do país a coisa evoluiu bastante, mas pense por exemplo na exportação de manufaturados. Fazer uma peça de automóvel fabricada na China chegar ao Brasil é tão ou mais difícil do que era há 10 anos. Neste caso, a logística (especificamente o fluxo de materiais) está um passo (ou dois) atrás. Se analisarmos todo o processo que envolve a exportação de um produto qualquer, nos damos conta do grande esforço necessário desde o processo de aquisição de matéria-prima até a chegada do produto acabado no consumidor final.

Usando o exemplo do Brasil, a burocracia exigida em nosso país ao invés de diminuir, como se tem feito radicalmente na China e na Índia, só faz aumentar. Vencida a barreira dos papéis temos as barreiras físicas, com estruturas ferroviárias quase inexistentes, não confiáveis e não padronizadas; estradas destruídas e insuficientes; espaço aéreo cada vez mais confuso e perigoso; e, apesar da enorme quantidade de rios em nosso território, uma falta de exploração inexplicável deste recurso. Isso tudo sem contar os desperdícios envolvidos no processo. Justamente por não podermos contar com modais de transporte confiáveis em todo o território, a quantidade de vezes que as cargas sofrem transbordo ao longo do seu trajeto consome boa parte dos lucros. Uma vez mais, o mesmo motivo faz com que as empresas necessitem de estoques elevados, em todos os pontos de suas cadeias de suprimento, para absorver as variações de lead time que ocorrem graças à falta de confiabilidade nos transportes e aos atrasos ocasionados pela burocracia aduaneira.

Em alguns lugares do mundo a situação pode estar melhor como na já citada China e nos países ditos de primeiro mundo. Em outros pode estar pior do que aqui. Mas em uma rede global, são os gargalos que ditam o ritmo. E um país com a importância do Brasil não pode ser gargalo para o crescimento mundial. Não pode e não vai, pois a economia se ajusta automaticamente e expurga os gargalos.

 

Se levássemos a análise adiante, facilmente começaríamos a entender a razão pela qual as empresas estão investindo em armazéns locais, desenvolvimento de fornecedores locais e produção localizada, perto do centro consumidor. Isso tudo sem perder as características globais de seus empreendimentos, trazendo o que existe de melhor no mundo para as operações localizadas. Mas espera um pouco, isto não é exatamente o oposto da globalização? Se pensar no fluxo de materiais como processo isolado sim, mas no mundo globalizado, a tendência da logística é estar localizada. É uma das faces da chamada glocalização trabalhando para mitigar os efeitos do atraso na evolução dos fluxos de materiais. Imagina-se que esta tendência continuará, a não ser que a próxima novidade a ser lançada seja o teletransportador. Por enquanto só em filmes, e mesmo assim com o máximo cuidado. Quem assistiu ao filme “A Mosca” deve lembrar o que aconteceu com o personagem principal. De um lado entrou um homem e uma intrusa mosca, do outro saiu o homem-mosca. Se bem que não seria nada mau para a cadeia produtiva, de um lado entram parafusos, peças mecânicas, volante, freios e assim por diante, do outro sai um carro novinho em folha, mas aí já fui mais longe do que deveria.

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