Existe uma técnica de levantamento de processos, muito
simples, que pode ser utilizada em vários contextos, chamada SIPOC. O nome
deriva justamente da estrutura da ferramenta, que consiste em listar processos
de negócio identificando-se o processo, seus fornecedores, insumos, saídas e
clientes ou, na sequência original, Supplier,
Input, Process, Output e Client. SIPOC.
Eu geralmente a utilizo para mapear o contexto de um
negócio. Quais seus principais processos, como eles interagem, quais seus
limites, como são medidos e assim por diante. Para isso, tomei a liberdade de
expandir um pouco o conceito e inclui mais dois elementos, os Indicators e o Owner, ou seja, os indicadores e o dono do processo. Assim, veio ao
mundo o SIPOCIO, irmão metido e grandalhão do velho e bom SIPOC.
O SIPOCIO está presente em todas as minhas turmas de
pós-graduação. Como leciono gestão por processos de negócio, a ferramenta
encaixa perfeitamente nas etapas de mapeamento de contexto. Na figura abaixo, a
versão que eu utilizo.
Nas aulas, o exemplo que uso para treinarmos a ferramenta
juntos é o da própria sala de aula. Começo perguntando: — “que processo estamos
vivendo neste exato momento, dentro desta sala de aula?” A resposta quase
imediata: — “aula de pós-graduação.” Perfeito. Continuo perguntando: —“quem é o
fornecedor, e o que ele fornece para que este processo possa rodar
adequadamente?” Moleza: — “é o professor (geralmente dito na forma mais
moderna, profe), e a entrada que ele fornece é conhecimento.” Vou anotando no
quadro e continuo: —“e quem é o cliente e o que ele espera como saída deste
processo?” A turma, muito animada com a facilidade do exercício responde: — “nós,
os alunos, e esperamos como entrega o conhecimento.” Fantástico. Exercício
quase pronto. —“E o indicador?” – Pergunto eu. A turma, depois de pensar um
pouco: — “é a avaliação do módulo, que a gente responde no final.” — “E o dono?
— “O coordenador do curso.” Pronto! Exercício fechado em 2 minutos. Invariavelmente
ele termina com a cara da figura abaixo.
Parece tudo certo. Todos estão satisfeitos. É nesse momento
que eu pergunto: —“na linguagem de processos, o que é uma ruptura? Ou se
preferirem, na linguagem lean, o que
é desperdício?” Todos pensam um pouco e as respostas vão surgindo. No final das
contas chegamos à conclusão de que ruptura, ou desperdício, é alguma atividade
que não agrega valor. Ora, se não agrega valor, não transforma. Se não
transforma, o que sai é igual ao que entra. Por favor, querido leitor, dê uma
olhada novamente na figura acima. Input e output do nosso SIPOC são exatamente
iguais, o conhecimento do “profe”. Conclusão: segundo a versão dos alunos para
o processo de aula de pós-graduação, nada é transformado durante a aula, nenhum
valor é criado, apenas transferido. Neste momento eu pergunto: —“quanto vocês
pagam por mês para estarem aqui? Com esse dinheiro, quantos livros conseguiriam
comprar?” Pergunto isso porque absolutamente todo o conhecimento que tenho para
transmitir está nos livros. Aliás, os livros são mais completos, perenes e
profundos do que eu consigo transmitir em 16 horas. Com essa provocação no ar,
eu convido meus queridos alunos a refazer o SIPOC, e assim começamos uma vez
mais.
Pergunto: — “vocês estão aqui só para ouvir um mala falar
por 16 horas sobre o que está no livro?” Turma: —“NÃO”. Continuo: — “o que mais
buscam aqui?” Turma: —“compartilhar experiências”. Eu: —“só do professor?”
Turma: —“NÃO, dos colegas também”. Eu: — “então quem são os fornecedores deste
processo?” Turma: —“nós e o profe.” Eu: —“e o que esperamos destes fornecedores,
apenas conhecimento?” Turma: —“NÃO, experiência, casos reais, soluções
aplicadas, sucessos, fracassos, quem sabe até uma namorada nova” (eles se
empolgam). Eu também me empolgo e continuo: —“e, sendo os alunos os clientes, o
que vocês esperam como saída deste processo, agora com esta nova gama de
entradas?” A turma debate e responde magistralmente: —“a capacidade de aplicar
o conhecimento adquirido e as soluções descobertas com a experiência dos
outros.” Pronto, agora temos valor sendo criado, temos transformação. Para
encerrar com chave de ouro baixo minha voz, olho para o infinito para
dramatizar, e pergunto: — “neste cenário, vocês acham que realmente o indicador
que mede se este processo teve sucesso é a avaliação do módulo?” Silêncio total.
Insisto: —“como podemos ter certeza de que vocês desenvolveram a capacidade de
aplicar no dia-a-dia empresarial os conhecimentos aqui adquiridos?” Mais
silêncio. — “Neste momento desenho um enorme cifrão no quadrado do indicador do
nosso SIPOCIO. Pergunto: — “adianta alguma coisa saber aplicar algo se não for
para crescer? Tua empresa, você, a comunidade? Meu melhor indicador para eu
saber que a aula foi bem sucedida é um e-mail de vocês me contando que foram
promovidos porque conseguiram aplicar com sucesso o que discutimos aqui. Ou
vocês não esperam nenhum retorno para o investimento de dinheiro e sábados
longe da família por mais de um ano?” Agora nosso SIPOCIO mudou
consideravelmente.
Pronto. Exercício encerrado. Convido a turma a sempre ir
mais a fundo ao aplicar a ferramenta na vida real. Nunca conformar-se com as
primeiras respostas, pois elas podem não refletir, de fato, a vontade do
cliente e a verdadeira vocação do processo que está sendo analisado.
Toda vez, sem exceção, que aplico este exercício, vou para
casa me perguntando, se meus alunos de pós, que têm um nível bacana de formação
e experiência profissional, devem ser provocados e conduzidos para chegar à
conclusão de que educação não é apenas transmissão de conhecimento, como nossa
sociedade, governantes, pais, profissionais, etc. estão encarando esse negócio?
O problema educacional é geralmente encarado através das
suas variáveis quantitativas (quantas escolas, quantos alunos, quantos
professores com mestrado e assim por diante). Algumas vezes, mais raras, é
encarado através de suas variáveis qualitativas (didática dos professores,
qualidade das instalações, qualidade do livro didático, etc.). Nunca,
entretanto, o problema educacional no Brasil é discutido sobre o ponto de vista
de resultados. O aluno conseguiu aplicar o que aprendeu? Essa aplicação o
conduziu a ter uma carreira melhor e mais robusta do que a do pai dele? Ele fez
a diferença para sua comunidade ou para a sociedade em geral? Mesmo que
resolvamos os problemas quantitativos e qualitativos, se não mudarmos a forma
de ver a educação, passaremos horas em sala de aula, com a sensação de que
perdemos tempo. O livro é mais barato.
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