quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Sobre bolos e currículos


Eu lembro com água na boca do bolo da Rosali, a boleira que fazia a alegria da criançada no colégio que eu estudava quando era criança. Não era um bolo 3D como fazem hoje em dia, com vários andares, pasta americana multicolorida, personagens de desenhos da Pixar (até porque não existia Pixar na época) e silks comestíveis personalizados. Mas era O bolo. Com um recheio que fazia você querer mergulhar ali para sempre. Agora, fazem bolo até de isopor, maravilhosamente lindo, com visual arrojado, cheio de efeitos especiais, mas intragável. E existem, como sempre, as honrosas exceções, com visual de encher os olhos e sabor de encher de alegria o coração.

Tenho 40 anos recém completados e aproximadamente uns 20 de carreira, passando por algumas empresas grandes, ou pertencentes a grandes grupos. É natural então que a esta altura, e tendo participado ativamente da minha comunidade empresarial, de negócios, de publicações especializadas, etc, que eu receba uma quantidade razoável de currículos para analisar, distribuir para a minha rede de contatos, ver se tenho alguma oportunidade e assim por diante. Tudo certo, faço com prazer e dedicação, pois acredito que fazemos realmente parte de uma rede que está sempre se ajudando e crescendo juntos.

O problema é que uma parte considerável dos currículos que recebo são bolo de isopor. Pessoas mais preocupadas em contar a sua história do que em fazer a sua história. Muitas vezes você bate o olho e sabe do que se trata. Não consegue ver uma sequência de fechamentos de ciclos. Sempre na hora de entregar a sua obra, algo aconteceu que levou o profissional a novos desafios. Nada contra novos desafios hein! Mas uma sequência de novos desafios tem que vir acompanhada de novas e boas entregas, e essa preocupação parece ter ido para o espaço. O recheio é ruim. Na melhor hipótese, sem sabor. O problema é que de vez em quando você se engana, acredita no conteúdo, fica louco para meter a espátula e provar o recheio, e depois descobre que não tem nada ali.

Acontece o contrário também, os bolos da Rosali. Deliciosos, com várias camadas de recheio, de dar água na boca, mas com visual pobrinho, bidimensional, antiquado. Claro que prefiro esse do que o outro, mas o risco para o profissional é enorme. Saber fazer, e ter feito, sem saber se vender também é um pecado, por vários motivos. O mais obvio é o prejuízo à própria carreira do profissional em questão, que pode estar perdendo ótimas oportunidades por não saber mostrar seu conteúdo com o apelo visual que os dias de hoje exigem. Outro motivo, mais importante ainda, é que se o profissional não sabe nem se vender, como ele conseguirá ir adiante na carreira, cada vez mais exposto ao escrutínio de pares, superiores e colaboradores? Como ele venderá seus projetos futuros? Como convencerá? É um risco que deve ser analisado na hora de contratar.


No final das contas, o segredo está sempre no equilíbrio. Insisto, ter uma boa história para contar é sempre melhor do que contar bem uma história. Entre os dois, fico com o bolo da Rosali, mas sei que existem, porque já vi alguns ao longo dos anos, boleiros de primeira categoria no mercado de trabalho, que capricham no visual enquanto não descuidam da massa e do recheio. Desses, sempre vou querer uma fatia.

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